Thursday, November 16, 2006

A sul - 23 de Outubro

Uma região desenvolvida para um país mais ordenado

O diagnóstico da situação socioeconómica no Douro e Alto Trás-os-Montes é arrasador: “condições naturais adversas, de difícil acessibilidade, com tecidos económicos e sociais frágeis, e uma ocupação dos solos dominada por manchas florestais em grande parte mal ordenadas, degradadas e recorrentemente afectadas por incêndios florestais”.

O despovoamento cresce a um ritmo implacável, podendo registar-se até 2020 uma redução de cerca de 20% de uma população que se situa actualmente em 445 mil habitantes (o desejável seria não descer muito abaixo dos 430 mil habitantes, isto é pouco mais de 3%).

A riqueza produzida é 2,7% do PIB nacional (devia ser o dobro). O emprego no sector primário (agricultura) tem ainda um peso entre três e quatro vezes a média do País. A economia tem uma grande dependência dos serviços colectivos (escolas, equipamentos de saúde e segurança social) e da Administração, (leia-se funcionalismo público e autárquico).

Esta é a descrição catastrófica do Programa Nacional da Política e do Ordenamento do Território (http://www.territorioportugal.pt) encomendado pelo governo e agora em discussão pública, que pressupõe o grande objectivo estratégico – “um país bem ordenado”.

Os cenários propostos de desenvolvimento apontam para que a agricultura, a silvicultura e a pecuária continuem a manter um peso decisivo na estrutura económica da região. Para além destas, a grande aposta terá de se concentrar no turismo e a consequente dinamização nos restantes serviços. Os reptos de investimentos na área serão: “patrimónios mundiais (Douro Vinhateiro e Arte Rupestre do Côa), rio Douro, quintas, solares, paisagens, identidade cultural das aldeias e pequenas cidades, termalismo…”

As grandes opções do desenvolvimento do interior passam também por potenciar as cidades nos eixos do IP3 (Lamego, Régua, Vila Real e Chaves) e do IP4 (Vila Real, Mirandela e Bragança). A posição estratégica da região deverá ainda permitir reforçar a cooperação transfronteiriça de modo a explorar outros mercados e realizar projectos comuns.

A grande novidade é a de organizar uma “rede de excelência” de espaços rurais de molde a certificar bons e genuínos produtos autóctones, se possível com denominação de origem que ofereçam ainda qualidade de ambiente e património; propõe-se ainda a ordenação de zonas protegidas de modo a potenciá-las para um desenvolvimento local.

O triângulo onde assentam as propostas é constituído pela agricultura, turismo e certificação de produtos. A política de subsídios da Comunidade para o sector agrícola vai cair drasticamente na próxima década; as regiões de turismo estão desadaptadas às novas realidades e sobram os empecilhos a uma renovação desejada; a certificação só se consegue com uma ligação urgente do ensino superior aos produtores. Uma obra ciclópica.

A concretização das medidas será feita com planos sectoriais, especiais, regionais, intermunicipais e municipais que criará ou reformulará novas coordenações hierarquizadas, burocráticas e complexas; quando o ideal seriam estruturas ligeiras e ágeis perto das populações e com elas interagindo.

Nada de novo, dirão os pessimistas, mais planos e burocracia. Agora, conhecidas as causas do nosso insucesso colectivo e estabelecidas as linhas de desenvolvimento, falta o essencial, um verdadeiro choque de discriminação positiva em euros. Foi assim na Madeira e nos Açores.

O processo de candidaturas à construção do Museu de Arte Rupestre do Côa já encerrou. Definido o construtor, cumpridos os prazos (cerca de dois anos), disponibilizado o dinheiro (11,5 milhões de euros) nascerá a verdadeira estrutura que poderá aproveitar o património das gravuras em favor do desenvolvimento da região. Uma promessa feita a Foz-Côa há mais de uma década, tornada dívida, que tarda em ser paga.

Importa sublinhar a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muhammad Yunus pela criação do Grammeen Bank no Bangladesh, ideia feliz exportada para todo o mundo. Este conceito de microcrédito criado pelo laureado consistirá em emprestar dinheiro aos mais pobres dos pobres sem exigir garantias e, exclusivamente, com base na confiança. O que me parece mais importante e até revolucionário é que o criador do sistema põe em causa o paradigma da caridade cristã tão caro às sociedades ocidentais.

A metáfora contida no provérbio chinês “se vires um homem com fome não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar” fica assim complementada e reformulada. Para além do aspecto educativo, torna-se indispensável emprestar algum dinheiro para adquirir a cana de pesca ou, no mínimo, facultar o acesso a uns metros de fio de pesca e a um anzol. Não será assim tão fundamental “dar o peixe”, como propõe a caridade, ou até “ensinar a pescar”. Com a possibilidade de adquirir os apetrechos, a necessidade se encarregará de lhe aguçar o engenho.

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